quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Sra. Pálida
Uma casa apática, com tonalidade branca e verde claro. Não há pessoas entrando ou saindo. Ninguém bate na porta da branca casa. A dona me pediu para lhe ajudar na limpeza. Todos avisaram que ela é esquisita e perfeccionista na arrumação. Vou assim mesmo. Bato na porta. Uma voz trêmula avisa que posso entrar. Abro a porta. Seca, idosa e baixinha. Essa seria a melhor descrição física para a Senhora Pálida. "Feche a porta rápido! Tire o sapato e o casaco." Sim, Senhora "Cof cof! Cofcof!" ela tem 90 anos e é alérgica a poeira. Subo a escada. A casa está perfeitamente arrumada. Não consigo ver um só lugar desarrumado ou com poeira. Esta tudo milimetricamente limpo e organizado. "Obrigada por vir. Faz três semanas que ninguém vem aqui limpar." A Sra. Pálida com grande esforço me dá as coordenadas do que devo fazer: vou aspirar os carpetes da casa. Com passos pausados e apoiando-se nas paredes mostra onde está o aspirador. Você está bem? Pergunto. “Sabe, é que quando você abriu a porta, entrou muita poeira e esse tempo úmido piora. Por isso, estou tonta." Coitada da Sra. Pálida. Durante a arrumação ela me conta um pouco sobre sua vida. Ela sempre foi alérgica. Não apenas a poeira, mas a quase tudo. Plástico, tecido sintético, umidade, lacticínios e praticamente a todo tipo de comida. E por isso, come quatro vezes ao dia uma alimentação que se confunde com seus remédios. A Sra. Pálida nasceu assim: com uma saúde mais frágil que uma bolha de sabão. Isso afetou sua visão e hoje ela não ler, apenas ver figuras com óculos e lupa. Com muito orgulho a Sra. me diz: "Veja isto. A biblioteca pública me manda todo mês." Ela aponta para uma série de fitas e um aparelho. “São livros narrados especialmente para mim." Sua pouca saúde não a impediu de viver. Ela casou e teve dois filhos. Viajou para a França, Itália, Espanha, México, África do Sul. A Sra. Pálida não deixou a doença empalidecer sua vida. Ela hoje vive só. Não sai de casa, nem pode ir visitar os filhos ou netos. Suas enfermidades afetaram sua tireóide e ela perdeu 20 kg. Ela era belíssima e tinha sorriso encantador. Hoje como não pode sair de casa seu passatempo é deixar tudo no seu devido lugar. Depois de terminada a faxina peço que ela venha ver se está tudo certo. Claro que encontra muitas coisas para ajeitar. “O tapete está 5 centímetros mais para a esquerda do que para a direita. A cadeira precisa estar com dois pés no tapete e dois pés fora do tapete." E assim ela continua a reportar todas as imperfeições. Terminada as correções ela agradece pela gentileza e pela dedicação. Coloco o dinheiro no bolso, calço os sapatos e visto o casaco. Ela vai até a cozinha para se esconder da poeira. Abro a porta. Até mais Senhora Pálida. E bato a porta com o cuidado de quem pega numa taça de cristal.

Um comentário:

Cynthia Rocha disse...

essa hisorieta foi vivida por dentro ou por fora?!