terça-feira, 28 de agosto de 2007

“…It's still the same old story
A fight for love and glory
A case of do or die.
The world will always welcome lovers
As time goes by…”

Sentada sob o banco, no jardim de sua casa, minha avó cantarola e devaneia sobre o passado:

“É sempre o amor…

Eu tinha uma voz muito bonita. Natural mesmo. Todo mundo queria que eu fosse embora...Disseram que eu seria a maior soprano do Brasil. Eu saía na estrada passeando... Passeava a pé onde morava vovô e vovó...Uma casinha pobrezinha, mas tinha tudo que precisava. Aí eu saí na estrada passeando... Eu cantava e o eco era a coisa mais linda do mundo... Mas eu tinha lá coragem de sair de casa pro Rio de Janeiro pra estudar canto...”

segunda-feira, 13 de agosto de 2007



Cheiros, cores, brinquedos. Era meu reencontro com a Meninice. Tão linda e singela. Recordo-me de nossas conversas pelos cantos de casa. E o jardim? Como não lembrar de nossas aventuras por entre galhos e frutos? Cajus, jambos, maracujás e bananas. Tão belas bananas que tanto adocicaram nossas horas. Fotos nas paredes, armários e em cima do piano. Piano negro: "De teclas de marfim."- dizia minha mãe. Tantas aulinhas lá tivemos e com ele melodiávamos os dias. Meninice como és linda. Aos poucos durante a nossa conversa percebi o inevitável: ela não era mais a mesma. O lugar também não. Os anos passaram. Nosso quarto não é mais o mesmo. O piano está quebrado. Meu olhar entristeceu durante nossa conversa. "Por que o olhar triste?" - pergunta-me ela. Nada é mais o mesmo - respondi. E ela com seu olhar de sábia doçura sorriu. Tolice tanta melancolia. A Meninice mesmo mudada sempre será minha.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Lembrança


A noite meu pai sentava ao lado da cama e me ninava cantando:

Minha jangada vai sair pro mar
Vou trabalhar meu bem querer
Se Deus quiser quando eu voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer
Meus companheiros também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer

Ao amanhecer, com lençol envolto ao pescoço, caminhava até a sala. E Lá escutava:

É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar
A noite que ele não veio
Foi de tristeza pra mim
Saveiro voltou sozinho
Triste noite foi pra mim
É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar
Saveiro partiu de noite foi
Madrugada, não voltou
O marinheiro bonito
Sereia do mar levou
É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar
*músicas de Dorival Caymmi


O balé de folhas acabou. As árvores estão secas e tristes. Onde estão as cores vibrantes do outono? As folhas secaram. As manhãs são frias e tristes. Melancólica beleza. "Manhã tão bonita manhã..." Será que um dia essas cores voltarão? "Quando chegar a primavera todas as flores nascem e as cores voltam." E até lá? As árvores parecem ter sido desenhadas a lápis grafite. Engano o meu. As cores não acabaram elas subiram ao céu. As manhãs de inverno estão desenhadas por secas árvores e nuvens róseas. Manhãs de belas mantas. Uma carícia para tão ressequidas árvores. Continuo a me perguntar: "para onde foram os tons quentes do outono?". É só aguardar pelo Sol. As curtas tardes de inverno possuem mágicas tonalidades de laranja e amarelo que contrasta com o branco afago. O balé foi substituído pelo canto dos galhos a clamar pelo retorno das cores. As árvores precisam ter paciência. As cores voltarão na primavera.

sábado, 4 de agosto de 2007



Foi um dia de Sol perfeito. Nem quente, nem frio. Todos estão felizes a conversar sobre o dia seguinte. É véspera de Halloween. Bombons, chocolates, chicletes e muita travessura. Olhem o Sol! Não estão vendo o dia? Ele está azul como nunca. Saio de mansinho. As árvores estão tão coloridas. Um colorido sem igual. Faz tempo que não ando de bicicleta. Primeiras pedaladas. Quanta emoção sentir o vento no rosto enquanto olho a paisagem. O vento torna-se música e as ruas transformam-se em passarelas para nós pobres mortais. Amarelo, vermelho, verde, marrom. São cores e tonalidades de um período inesquecível chamado Outono. Não há palavras, fotografia ou pintura que possa mostrar ou descrever essa estética criada pela nossa grande Mãe. Pedalo mais um pouco. Desço uma ladeira e o vento parece cantar com mais força aos meus ouvidos. Paro. Não vejo mais o asfalto. Folhas, folhas e mais folhas. Sinto-me honrada. Ando lentamente. Novamente paro. O vento forte levanta as folhas do chão fazendo uma cadeia de ondas. As folhas parecem dançar. A cada segundo um novo tapete surge. Tento filmar esse balé, mas é em vão. Não há como filmar essa beleza. Estou entorpecida. Nesse momento pensei: "nada mais belo". Engano meu. Quando menos espero, começa a chover. Não é uma chuva qualquer. São confetes oferecidos pelas árvores. Milhares e milhares. O céu agora se torna uma tela com vários pigmentos de todas as cores. O balé se completa. Folhas a dançar e cair enquanto o vento dita o ritmo e a melodia. Como nada é eterno o balé termina. Volto para casa a escutar os sussurros do vento.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Sra. Pálida
Uma casa apática, com tonalidade branca e verde claro. Não há pessoas entrando ou saindo. Ninguém bate na porta da branca casa. A dona me pediu para lhe ajudar na limpeza. Todos avisaram que ela é esquisita e perfeccionista na arrumação. Vou assim mesmo. Bato na porta. Uma voz trêmula avisa que posso entrar. Abro a porta. Seca, idosa e baixinha. Essa seria a melhor descrição física para a Senhora Pálida. "Feche a porta rápido! Tire o sapato e o casaco." Sim, Senhora "Cof cof! Cofcof!" ela tem 90 anos e é alérgica a poeira. Subo a escada. A casa está perfeitamente arrumada. Não consigo ver um só lugar desarrumado ou com poeira. Esta tudo milimetricamente limpo e organizado. "Obrigada por vir. Faz três semanas que ninguém vem aqui limpar." A Sra. Pálida com grande esforço me dá as coordenadas do que devo fazer: vou aspirar os carpetes da casa. Com passos pausados e apoiando-se nas paredes mostra onde está o aspirador. Você está bem? Pergunto. “Sabe, é que quando você abriu a porta, entrou muita poeira e esse tempo úmido piora. Por isso, estou tonta." Coitada da Sra. Pálida. Durante a arrumação ela me conta um pouco sobre sua vida. Ela sempre foi alérgica. Não apenas a poeira, mas a quase tudo. Plástico, tecido sintético, umidade, lacticínios e praticamente a todo tipo de comida. E por isso, come quatro vezes ao dia uma alimentação que se confunde com seus remédios. A Sra. Pálida nasceu assim: com uma saúde mais frágil que uma bolha de sabão. Isso afetou sua visão e hoje ela não ler, apenas ver figuras com óculos e lupa. Com muito orgulho a Sra. me diz: "Veja isto. A biblioteca pública me manda todo mês." Ela aponta para uma série de fitas e um aparelho. “São livros narrados especialmente para mim." Sua pouca saúde não a impediu de viver. Ela casou e teve dois filhos. Viajou para a França, Itália, Espanha, México, África do Sul. A Sra. Pálida não deixou a doença empalidecer sua vida. Ela hoje vive só. Não sai de casa, nem pode ir visitar os filhos ou netos. Suas enfermidades afetaram sua tireóide e ela perdeu 20 kg. Ela era belíssima e tinha sorriso encantador. Hoje como não pode sair de casa seu passatempo é deixar tudo no seu devido lugar. Depois de terminada a faxina peço que ela venha ver se está tudo certo. Claro que encontra muitas coisas para ajeitar. “O tapete está 5 centímetros mais para a esquerda do que para a direita. A cadeira precisa estar com dois pés no tapete e dois pés fora do tapete." E assim ela continua a reportar todas as imperfeições. Terminada as correções ela agradece pela gentileza e pela dedicação. Coloco o dinheiro no bolso, calço os sapatos e visto o casaco. Ela vai até a cozinha para se esconder da poeira. Abro a porta. Até mais Senhora Pálida. E bato a porta com o cuidado de quem pega numa taça de cristal.